Estávamos
todos reunidos na casa de Neide quando o fim do mundo aconteceu, pelo
menos do mundo como conhecíamos até então. O noticiário da TV anunciava
grandes catástrofes por toda parte no globo terrestre. Éramos
testemunhas indiretas, hoje eu sei, porque pudemos perceber, ao olhar
pela janela da sala do apartamento que alguma coisa de muito estranha
estava ocorrendo em algum lugar não muito longe de onde estávamos,
tamanha era a quantidade de estrelas cadentes que cortavam o céu vindo
de todas as direções. Surpreendentemente, nada aconteceu em nossa
vizinhança, pelo menos de imediato, pensávamos. Ocorreu-me que talvez
devêssemos sair correndo pra rua antes que as consequências do
desfirmamento celeste chegassem até nós. Pensei logo em tsunamis,
incêndios de grandes proporções, que cedo ou mais tarde nos alcançariam.
Depois
desse evento catastrófico dos fins dos dias, foi longo, muito longo o
período de aprisionamento que vivi. Tudo aconteceu muito depressa
naqueles momentos finais em contraponto com o que viria depois.
Lembro-me, no entanto, de poucas coisas, que não se casam para formar
uma ideia clara de como vim parar nesse estranho lugar onde vivo desde
então. Além de não compreender exatamente tudo que aconteceu naquele
dia, por não conseguir montar uma cadeia lógica para os acontecimentos,
estimo que danos maiores também se somaram para que eu chegasse ao ponto
que cheguei, talvez o efeito de um aprisionamento prolongado, como
saber?
Lembro-me
de alguns flashes, entre eles o de haver conhecido uma estranha
criatura que me abordou como se já me conhecesse, me chamando de Arthur.
Olhei para ela, e custei a entender o que estava acontecendo comigo.
Senti um aquecimento pelo corpo e cheguei a desejar-lhe. Era estranha e
interessante. Foi um pouco antes que eu percebesse a estranha luz que
vinha do espaço e incidia sobre nós, aparentemente apenas sobre nós
dois, banhando nossos corpos, envolvendo-nos em uma espécie de neblina,
de nuvem-chuva. Não me lembro de mais nada depois. Talvez tenha sido um
sonho. Será que realmente encontrei aquela mulher? Não tenho certeza se
isto de fato ocorreu. Acho que sou habitado por personagens fictícios
entre os quais me perco muitas vezes, ou talvez quase sempre, quando me
sinto incapaz de saber quem sou nessa multitude de pensamentos, vozes e
imagens que me povoam.
Essa
aparente perda de identidade experimentada por Etevaldo estava
levando-o às raias do desespero, deprimindo-o, entristecendo-o de uma
forma que só estava servindo para agravar seu estado de melancolia. A
experiência estava além da sua capacidade de assimilação, ele não
conseguia a energia gratuita que pairava em torno de si, o que era
evidentemente um sinal de inteligência curta. O feixe oco de laser que o
abduziu era um raio trator oriundo da nave Startrek que suspendeu os
dois pombinhos do chão, conduzindo-os por um duto para uma nave espacial
em formato de charuto que pairava a uns 100 metros do local onde
estavam.
O
mundo mudou depois disso, não sabía até então que estava presenciando
uma profunda revolução no planeta em que vivía. Não devemos nunca
subestimar as reviravoltas que o destino reserva para nossa vida. Quando
alimentamos a ilusão de termos o controle dela, um grande vazio costuma
se estender a nossa frente, principalmente se não sabemos esperar o que
o acaso pode nos oferecer. Por isso, caro leitor, você não pode
imaginar o prazer que sinto em certificar-me que a natureza se repete
indefinidamente naquilo que há de mais trivial em nossa vida. Mesmo
agora, quando esperava que tudo fosse diferente, que pensava que
emergiria de súbito em outro mundo, se nada não fosse, uma outra era,
numa outra natureza cujas leis fossem diferentes daquelas da nossa,
deparo-me com a mesma situação que deixara no outro mundo. Estarei preso
a algum padrão do qual não consigo me libertar?
Ah,
a diversidade dos mundos possíveis, como ajudava nessa hora! Sabemos e
muito apreciamos o fato de que as coisas exteriores do mundo visível
provêm de várias dimensões diferentes e complementares ao mesmo tempo.
Convivemos numa multiplicidade de mundos exclusivos, não apenas forjados
pelas lentes da ilusão, mas por leis naturais mais férreas que a
realidade do cotidiano que experimentamos. Etevaldo pensava assim,
julgava compreender um pouco mais do que a maioria de seus iguais, e
gozava da convicção íntima de que viver como um cara desligado era o
segredo de jamais deixar o melhor da vida escapar. Esse era seu maior
ato de confiança: transcender-se. Subconscientemente agia como se
acreditasse que pessoas aparentemente separadas no tempo e espaço, mas
que vibram em uma frequência comum, acabam se reencontrando
repetidamente pelas voltas que o mundo dá.
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